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De 11 a 24 de agosto, por convite da Cáritas Brasileira do Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, para a qual presto trabalhos voluntários como educador popular, ganhei de presente a oportunidade de conhecer a Europa e participar da Jornada Mundial da Juventude em Madri. A JMJ é o maior evento católico do mundo e tem como foco não declarado a reverência à figura imperial do Papa e a aceitação da juventude de todas as nacionalidades das verdades “absolutas”, grande parte delas machistas e homofóbicas do magistrado eclesial católico. Faço parte de uma ala da Igreja adepta à Teologia da Libertação, que é respeitada no meio popular mais rechaçada pelo vaticano, pois compreendemos a Igreja de outra forma, e portanto, podemos dizer que somos a esquerda da Igreja, considerados, inclusive por muitos católicos ortodoxos, os marxistas católicos. E como legítimo representante dessa linha, fui a Madri não para ver o Papa, mas para dialogar com a juventude mundial, principalmente da Europa que sofre com a crise econômica mundial e com o agrupamento popular que ficou conhecido como Movimento 15 de Maio, os indignados espanhóis.

Durante a viagem, fui a três cidades: Cárceres e Madri na Espanha e Fátima em Portugal, mas em ambas, haviam pessoas do mundo todo e principalmente da Europa. Embora a igreja, como grande parte da imprensa compreenda a juventude como uma fase de diversão e de aceitação dos dogmas católicos, sem qualquer espaço para um diálogo que fosse, eu decidi aproveitar a oportunidade para colher o máximo de depoimentos, seja de peregrinos seja da população local. Pude constatar in loco o quão a atual crise bate forte nos sonhos dos jovens europeus.

Penso ser importante fazer uma comparação de como a crise econômica provoca reações distintas dos/as jovens do Velho Mundo em relação ao que é convencional acontecer no Brasil e na América Latina. A bem da verdade, na Europa a juventude tem acesso à educação de qualidade, logo, a maioria desses jovens que sofrem com a crise está graduada ou se graduando, falam no mínimo duas línguas e, portanto, diferente do que acontece em nossa América, não passa pela cabeça deles vender bombons nos ônibus ou vender produtos importados numa avenida movimentada como solução para a crise, e sim sair do país e procurar um local onde possam trabalhar e ganhar bem. Foi o que ouvi da maioria dos jovens com quem conversei por lá, inclusive estudantes brasileiros que visitei na Casa do Brasil, local que abriga estudantes brasileiros que estudam na Espanha. Quando me contavam os planos de sair do lar para conseguirem sobrevier, eu, que estava ali sofrendo uma enorme dificuldade para me adaptar à comida, ao clima, ao jeito daquele país etc., me pus no lugar de tantos emigrantes do mundo, que deixam seus lares para sobreviver em outro lugar, lembrei dos nordestinos, lembrei de Belo Monte, lembrei de mais um motivo que me leva a ser militante.

Na Casa do Brasil, local que abriga estudantes brasileiros em Madri, os estudantes brasileiros me disseram que quase triplicou a procura de espanhóis pelo curso de português, interessados em aprender nosso idioma e vir ao Brasil atrás de oportunidades, além disso, praticamente nenhum brasileiro após formado pretende ficar por lá.

A reação da juventude espanhola à Jornada Mundial da Juventude.
Na Espanha, assim como em vários países da Europa, como é o caso da Itália e Portugal, por exemplo, mesmo após a separação oficial do Estado da Igreja Católica, ainda existe uma tradição de subserviência aos desígnios e dogmas católicos impressionantes em parte do governo e da população. A JMJ foi pensada para lá em 2009, na Jornada de Sidnei, antes da agudez da crise. E quem era contra a forma como foi organizada a jornada sabia disso, portanto, e a reinvindicação maior da população não era contra a jornada, e sim em favor da laicidade de fato do Estado espanhol. Em tempos de crise, quando foi aumentada a tarifa do metrô e ônibus em 50% e vários cortes nas áreas sociais eram arquitetados pelo governo espanhol para atender à cartilha do FMI, mais de 200 milhões de euros foram investidos pelo país para receber a jornada e principalmente o Papa.

Infelizmente, havia muita desinformação por parte da população sobre como funcionaria a jornada, e muitos espanhóis pensavam que os participantes viriam participar de graça da jornada, que receberiam regalias do governo em momentos da crise. Nós peregrinos fomos muitas vezes hostilizados por motoristas de ônibus, pela população, porque estes entendiam que nós estávamos lá de graça, e não foi bem isso que aconteceu e nem era contra isso que a o 15-M protestava a respeito da jornada. Afinal de contas, cada participante pagou cerca de 500 euros só de taxa de inscrição.

As principais críticas que a juventude espanhola fazia era a aclamação exagerada por parte da imprensa e dos participantes à figura papal e aos gastos públicos com um evento religioso. Ora, sabe-se que a Igreja Católica tem dinheiro suficiente para auto custear o evento, e por mais que o governo tenha anunciado que a JMJ trouxe mais recursos para a Espanha do que fora investido pelo governo, sabe-se que os mesmos gastos feitos pelo governo não seriam feitos para um encontro mundial da juventude islâmica ou anarquista, por exemplo. Assim, gastos públicos, ainda mais no volume que foram feitos para um encontro religioso em plena recessão é uma afronta ao princípio da laicidade do Estado e, portanto um desrespeito aos contribuintes que não comungam das mesmas convicções religiosas do/as católicos/as.

Outro elemento que deixou a juventude revoltada foi o fato de que as concepções seculares da Igreja a muito não contemplam a realidade que vivem as pessoas longe dos castelos gradeados do Vaticano. Na Europa, o modelo romano de fazer igreja está falido. Na paróquia San Juan Macias, em Cárceres, por exemplo, não havia mais do que 10 jovens participando, e os jovens nas ruas chacoteavam os participantes com piadas do tipo “vão lá passear de papamóvel”, “vão beijar o chão do Papa”, e a realidade era a mesma em praticamente todas as paróquias que visitei: Igrejas belíssimas, muito bem estruturadas, mas com quase ninguém participando. Isso torna ainda mais falaciosa a ideia que a Igreja tenta passar com a JMJ, de que a juventude católica está cada vez mais fiel ao Papa, mesmo porque este atual Papa é tão conservador quanto João Paulo II, mas bem menos carismático, portanto, nos vários eventos oficiais falava-se mais do João Paulo II do que de Bento XVI.

Outro fato bastante ilustrativo ocorreu no metrô. Um amigo meu, que como eu fazia parte da delegação oficial da CNBB, teve a oportunidade de subir ao altar com o Papa e fazer fotos com a estrela do evento. Mais tarde, voltando ao nosso alojamento, ele começou a exibir-se, mostrando a foto do sumo pontífice e perguntando ironicamente “sabe quem é esse aqui?” aos madrilenos. Ele perguntou a cinco moradores de Madri, incluindo jovens e adultos. Somente 3 sabiam que se tratavam de algum religioso, teve até um que arriscou que seria um bispo, mas ninguém sabia dizer quem era. Meu amigo não conseguia entender como alguém poderia não conhecer o Papa, mas a verdade é que para a maioria da juventude europeia, ou o Papa é uma figura que provoca repulsa ou simplesmente não é ninguém importante. Por isso, o beijaço organizado contra o Papa na Espanha não foi apoiado maciçamente para se contrapor às declarações homofóbicas do Papa provavelmente porque para a maioria, as declarações do Papa e de um desvalido psicologicamente numa praça pública tem o mesmo valor.

Vamos à Luta e o Movimento 15 de Maio – Indignados!
Infelizmente minha partida a Madri aconteceu muito repentinamente. Por conta disso, não pude levar comigo um material mais estilizado do Vamos à Luta. Deixei claro desde muito cedo que fui à JMJ por conta de minha relação com a Cáritas e pela vontade de dialogar pessoalmente com o Movimento 15 de Maio (M-15), os Indignados espanhóis. Na verdade, eu não fazia ideia de como seria a estrutura disponibilizada a nós durante a jornada. E posso dizer que desde o início tive muita dificuldade em conseguir informações por lá, sobretudo pela imensa dificuldade em encontrar lan houses, além disso, por fazer parte de uma delegação eu tinha que cumprir minimamente uma agenda. Outro elemento que dificultou minha comunicação com o movimento é que na Espanha o apreço pela língua é quase religioso, e mesmo quando são simpáticos com turistas, eles não fazem o menor esforço para falar português. Falam inglês fluentemente, mas encontrar um espanhol que fale português é raríssimo. Atribuo a isso o fato de que desde o dia 11 de agosto eu entre em contato com pessoas que se declaram do movimento através das redes sociais sem obter qualquer resposta.
Dentro da Jornada, a maioria dos padres e dos coordenadores da delegação oficial tratavam o movimento como inimigos do Papa e da Igreja. Foi graças a esse tipo de incentivo reacionário e fascista que muitos católicos reagiram às palavras de ordem dos indignados na Puerta del Sol gritando o nome do Papa no dia 17/08. O movimento tomou todas as medidas legais prévias para que o ato fosse considerado pacífico, no entanto, mesmo havendo um enfrentamento por parte de católicos e manifestantes, a polícia bateu apenas no segundo grupo. Foi uma ação covarde da polícia, que com bombas de gás lacrimogênio e cassetetes trataram seus compatriotas como bandidos com o mesmo afinco e disciplina que seus companheiros de farda protegiam o Papa no outro extremo da avenida. Depois da repercussão, choveram e-mails e mensagens de amigos meus preocupados com a violência da polícia, porque sabiam que se eu tivesse tido oportunidade, seria ao lado dos Indignados que eu estaria. Não pude estar presente porque as informações me chegaram muito confusas, mas certamente estava lá de alma. Mas no dia seguinte, mesmo sabendo que não me entenderiam direito, mandei várias mensagens de apoio e solidariedade aos compas madrilenos.

O M-15 é um movimento independente, que originalmente congrega jovens de várias correntes de esquerda, trabalhadores desempregados ou aposentados, etc. e não possui uma direção convencional. Lutam principalmente pela radicalização da democracia espanhola que mantém uma ditadura burguesa e heranças imperiais vergonhosas. No início, o movimento recebeu inclusive apoio integral do PSOE e do PP, os maiores partidos burgueses da Espanha (como se fossem PT e PSDB aqui, respectivamente), mas o próprio movimento já deixou claro que esses partidos não os representam. Pela própria origem do movimento, ainda não possuem um claro projeto para o país, e são claramente influenciados pelos movimentos da Líbia e do Egito que lutam por liberdade, embora proponham uma democracia bem mais avançada do que a democracia representativa pelo que lutaram no norte da África, ou seja, uma democracia autêntica que sirva para mais do que proteger os privilégios da burguesia. No entanto, na contramão do que propõem os indignados, ao invés de um referendo democrático e popular para decidir a reforma constitucional, o primeiro ministro da Espanha, José Luiz Zapatero do PSOE resolveu propor ao congresso uma reforma aos moldes do que propuseram França e Alemanha para os principais países da União Europeia, ou seja, uma reforma que agrade ao FMI, ao mercado financeiro, e que sacrifique a classe trabalhadora.

Finalmente encontrei com eles na minha última noite em Madri, 23/08, justamente discutindo esse tema na Puerta del Sol. Foi momento mais satisfatório da minha viagem. Infelizmente não pude participar de toda reunião, apenas dos 30 minutos finais, numa roda de conversa ali mesmo em praça pública, onde quem quisesse poderia participar. Como forma de intimidação, durante estarem reunidos de 3 em 3 minutos uma viatura da polícia passava fazendo sinal com a sirene. Toda vez que isso acontecia, os Indignados de Madri erguiam os punhos como quem se entregasse para a prisão, ou simplesmente erguiam os braços como quem se rende ao assalto, como sinal de deboche. Infelizmente não tinha ali nenhuma câmera fotográfica para registrar o momento, mas tinha caneta e papel para pegar contatos e meu portunhol para deixar a eles muito claro que no Brasil existia um coletivo estudantil chamado Vamos à Luta que oferece apoio integral à luta deles. Eles agradeceram o apoio e nos convidaram para participar da grande marcha a Amsterdã em setembro.

Pelo próprio critério do movimento, posso dizer que durante 30 minutos eu e todos os meus companheiros do Vamos à Luta que eu representava ali com muito orgulho fomos também os Indignados de Madri. Retorno para casa ainda mais indignado, mas com a esperança renovada.