Em
qualquer livro de gramática, em qualquer aula sobre sujeito e predicado, as
orações sem sujeito são exemplificadas com fenômenos da natureza, porque as
ações contidas nestas não podem ser atribuídas a nenhum agente. Por exemplo:
“Choveu no semiárido”. O verbo “chover”, como todos os fenômenos naturais,
quando usados no sentido literal e não metafórico possuem um caráter impessoal.
Contudo,
o ato de chover pode ser substantivo, principalmente em momentos de lamentação, como
neste caso: “A chuva não veio”. E a precipitação de água também pode estar
contida num outro tipo de oração, mas no sentido de prece: “Que Deus mande as
chuvas esse ano para que não haja seca, tenhamos condições de beber água o ano
inteiro sem sacrifício, isso melhore a agricultura e possamos ter pasto e
bebida pros animais. Amém!”.
Mas, no
que se refere à escassez d’água no semiárido brasileiro, chover sempre será parte de uma
oração sem sujeito, pois a região com sua característica própria é mesmo um
local onde se chove pouco. Se há sujeitos que causam grandes problemas durante
a estiagem não são fenômenos da natureza, e a culpa não é das preces não
atendidas. Os sujeitos culpados são os latifundiários, os governantes
incompetentes e opressores ao longo da história. Jamais as chuvas ou a falta de
fé, tadinhas.
O semiárido
brasileiro possui a maior concentração de água desse tipo de bioma no mundo.
São cerca de 37 bilhões de metros cúbicos estocados em cerca de 70 mil represas
que garantiriam, em tese, recursos hídricos para todas as pessoas sem depender
da chuva. Mas grande parte desses recursos estão em propriedades privadas e distantes do/a pequeno agricultor/a. Por isso não a seca, mas as cercas e a má distribuição ocasionam a
escassez, principalmente para as famílias camponesas. É absurdo que em pleno
século XXI o Brasil, atual 6ª economia do mundo, ainda não tenha conseguido
vencer os desafios da estiagem, pois apesar do baixo investimento em pesquisa nesse
país já há conhecimento científico suficiente para apresentar soluções
eficientes a tal demanda. Bastariam para isso sujeitos determinados nos
governos.
Culpar
as chuvas, depender de preces foi tudo o que organizações como a Articulação no
Semiárido (ASA), a Cáritas e outras deixaram de fazer quando passaram a propor
tecnologias de armazenamento e produção alternativas para a convivência
harmoniosa com tal bioma. Na maior seca dos últimos 40 anos na região - vivida
de 2011 a 2013 - por exemplo, já se nota o resultado positivo com um número
bastante reduzido de migração, ausência de grandes saques, e daquela típica
imagem de retirantes, etc. Com estiagens bem menores os interiores viravam
“cidades fantasmas”, as estações lotadas, e hoje o cenário é diferente, porque
mudou em parte a forma como as pessoas se relacionam e acessam os recursos.
Portanto,
“choverá amanhã” deve continuar sendo uma oração sujeito. Que nenhuma oração
deixe de ser o ato de orar e agir; que nenhum sujeito composto (homens e
mulheres, campo e cidade) teime em ser oculto diante dos desafios da política de recursos hídricos; nenhum sujeito simples seja
vítima de sujeitos determinados e egoístas; que na gramática da vida "chuva" seja
sinônimo de "direito" e não de "milagre".
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*Texto publicado originalmente na agenda do projeto Educação Contextualizada no Sertão Cearense, uma realização da Cáritas Diocesana de Crateús, com patrocínio da Petrobras. Versão editada.
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*Texto publicado originalmente na agenda do projeto Educação Contextualizada no Sertão Cearense, uma realização da Cáritas Diocesana de Crateús, com patrocínio da Petrobras. Versão editada.