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sexta-feira, 28 de março de 2014

Quando fui repórter de Polícia - parte 1


JORNALISMO-URUBU

Desde criança sou fascinado por o urubu. Impressionava-me o tamanho daquelas asas pretas com pontas brancas. Não sabia porquê mas ficava um tempão olhando a forma como voava diferente dos outros pássaros, e tinha nojo daquela cara feia, sobretudo quando ficava manchada pelo sangue da carniça devorada. Também era ainda um garotinho quando no início da década de 90 foi ao ar o jornal “Aqui Agora” do SBT. Gil Gomes e companhia popularizaram e consolidaram na TV brasileira uma forma de fazer jornalismo - importada dos istêitis - baseada na superexploração da violência e na criminalização da pobreza para gente na condição de pobre ver. E deu certo. Jornalismo em TV aberta hoje é resumidamente isso. Mas eu desde cedo não assistia. Não ouvia programas de rádio nessa linha. Não lia páginas de jornais ensanguentadas. Não curtia jornalismo-urubu.

Continuo não assistindo e nem ouvindo, mas por 22 meses eu li. Como não ler quando a primeira proposta para trabalhar numa redação de impresso, razão pela qual sonhei me formar em jornalismo, foi justamente pra essa porra? Caí em tentação. Eu pequei por não hesitar em responder sim? Não sei. Agora só consigo lembrar como uma fração de segundo depois de teclar enter no Gtalk dizendo sim pra trabalhar no Caderno de Polícia do Diário do Pará, imediatamente olhei assustado meu nariz crescer e juntar com a boca virando um bico cumprido e curvado na pontinha. Meus cabelos caíram e minha pele do pescoço pra cima enrugou. As pontas das minhas mãos ficaram brancas, depois meus pelos começaram a engrossar a ponto de tornarem-se penas pretas de luto. Minhas pernas afinaram ainda mais, entortaram pro outro lado; meus braços viraram asas e sem muito esforço comecei a voar. Não demorou muito eu comecei a avistar e desejar carniças.

Lá do outro lado da existência caí em tentação pela segunda vez: admirei a beleza, a leveza e a suavidade do voo dozurubus. Urubu não voa, simplesmente, ele divide a mesma maconha com o vento. O ato de voar dele é a tradução avoante de pairar. Lá de cima me impressionei como a incrível possibilidade de cheirar e enchergar com x o alimento mesmo de muito longe. No começo me senti estranho lá no alto. Todos pareciam pensar igual: carniçacarniçacarniça... mas não. Não era bem assim. Eu precisei subir sem redundância pra cima dos outros colegas para encontrar com alguns urubus que veem o choro por trás da morte, os porquês mais profundos dentro dos oquês, o antes e o depois ao olhar o fim. E se não houvesse urubus para testemunhar os descomeços? Caí na terceira tentação: urubus são importantes. Sem nós seria pior. E se eu simplesmente quisesse voar ao lado dos que anseiam circular ao vento no sentido contrário da maioria? Aí vi graça em ser urubu, olha. Descobri enquanto repórter de um caderno que sempre desprezei uma coisa legal: eu posso ser eu mesmo, fincado nos mesmos princípios, sendo o que eu quiser ser. Era legal voar. Meu melhor sonho de criança.

Um comentário:

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

super interessante tudo isto ... acho q enriquece pacas a vida de qualquer um ...