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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

DIÁRIO DE UM SERTANEJO - 11º DIA

Sou um amazônida me aventurando no Sertão. Parte dessa aventura registrada diariamente em meus manuscritos compartilho com quem possa querer saber...

Acordei às cinco e meia, mas o sol já entrava em minha janela aberta antes disso. Estava ansioso para conhecer as profundezas do sertão. Sou e acho que sempre serei um rato urbano, mas conhecer o interior do mundo me fascina. Seria minha primeira vez onde, conforme imaginava, certamente seria um dos locais mais doloridos, fascinantes e poéticos do Brasil. Fiz questão de abrir bem os olhos e o coração. E fui, como quem mergulha naqueles rios largos, escuros e profundos da Amazônia de onde vim.

Desde os primeiros metros na estrada de chão olhei com carinho a vegetação completamente diferente da que estou acostumado. Ia tentando entender o significado daquilo. Plantas secas e entre elas árvores com folhas de verde bem vivo. Cactos ao lado de galhos floridos. Vi alguns Jegues. Como o jegue é poético. O olhar bem dentro do olho de um animal desses faz você tocar sua própria existência mais profundamente do que se pode estar preparado. É um olhar doce, prestativo, profundo, misterioso. Talvez se um jegue e uma preguiça se encararem lágrimas cairão mutuamente.

À media que o caminho se alongava a caatinga parecia dançar forró, recitar cordel. Numa viagem pessoal em meio aquilo lembrei de Gonzagão quando vi os galhos secos e as cercas de estaca decorarem a estrada. Pareciam nos dar boas vindas. À primeira vista parecia tudo coisa morta, sem vida. Mas logo havia folhas verdes de novo. Comecei a confrontar aquilo com o xote, os cordéis, as quadrilhas e todas as outras referências carregadas por mim daquele lugar onde jamais havia estado.

Comecei a pensar que caatinga é o retrato do Brasil. Basta um pequeno sereno, basta um pequeno sorriso de água para tudo ficar pleno. Inicialmente desistimos daquele lugar cheio de espinhos, cheio de galhos secos e cinza. Mas é apenas a vida em estado de dormência e adaptada escassez d’água. Basta um pouco de irrigação pra ficar tudo verde, colorido, explicitamente vivo. O sertão é uma lição de vida. Ensina que é preciso muito pouco para ser possível viver. É um cenário formado por versos com rimas fáceis, com estrofes simples, mas com conteúdo rico, vivo, inteligente.

De repente comecei a pensar que não há lugar no mundo mais verbal do que o sertão. As piadas, as músicas, o cordel, as histórias, tudo é dito, escrito e cantado de uma forma muito especial por estas pessoas de sotaque forte. O cearense então, não fala, recita. O sotaque nordestino, especialmente o cearense, foi feito para o verbo. Toda cultura nordestina é muito verbal e verbalizada. O cearense, tenho a impressão, é mais.

Se é verdade que o meio interfere no sujeito e na sujeita, se o mineiro é um tanto mais tradicionalista sob influência da firmeza das serras e o carioca é expansivo e alegre influenciado pela liberdade do mar, então eu só posso supor que a caatinga é uma obra de arte travestida de bioma. Um poema disfarçado de lugar.
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Todas as fotos foram feitas por mim neste mesmo dia.

3 comentários:

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

uma aventura e tanto ... uma experiência boa de ser vivenciada ...

Luria Corrêa disse...

Nossa, que relato lindo, Eraldo! Eu mentiria se dissesse que não me imaginei no seu lugar agora, pisando em cada metro quadrado de terra vermelha sob o Sol quente, ficando feliz com qualquer brisa e olhando com afinco cada canto do sertão, cacto e espinho. Você escreve muito bem, e acho que conseguiria extrair poesia de qualquer lugar que visitasse! Aliás, acabou de ganhar uma nova acompanhante nesta jornada, que passa a ler seu diário de bordo com afinco e coração aberto.

Abraço!

Eraldo Paulino disse...

- Uma experiência que para mim cada brasileiro mereceria viver, amado Bratz

- Obrigado pela visita e pelo carinho, Luria. Volte sempre!