Precisando de grana pra pagar o cursinho, Augusto teve de arrumar emprego logo. Um amigo dele conseguiu uma vaga como ajudante numa
empresa especializada em aplicar impermeabilizantes na construção civil. Em seu
primeiro dia de trabalho ele chegou atrasado. Ligou para o chefe que pediu pra
ele ir até o primeiro piso onde ficava a piscina. Era um prédio de 12 andares
recentemente entregue, com praticamente todos os apartamentos ocupados, cheios
de gente de classe média puta com o serviço ruim da construtora por não
entregar o imóvel sem ter piscina vazando.
“Guto” se identificou ao porteiro com seu crachá provisório
e chegou ao elevador. Eram dois, na verdade. Pegou o de serviço sem reparar na
diferença entre um e outro. Errou o andar. Foi parar no segundo piso. Desceu e
apanhou o social. Nele desciam uma mulher e a filha dela. “Pra quê tem elevador
de serviço?”, provocou a dondoca, irritada com a presença dele, que se olhou no
espelho e se perguntou por que ela havia reparado que ele era empregado. No
bairro da cabanagem (periferia de Belém) onde ele mora todo mundo perguntou se
ele faria exame de fezes, de tão arrumado. “Será que tenho tanta cara assim de
pobre?”, se questionou.
A crise interna dele foi interrompida por aquele rosto. A
filha dela, com seus olhos verdes como o mar, os cabelos tipo os das moças das
novelas, loiro, sedoso, brilhante, surpreendentemente saudável emitiu um sorriso parcial, meio
que pedindo perdão pela mãe. Tudo passou muito rápido e ele desceu, trocou de
roupa no banheiro dos empregados e foi trabalhar. Não era muito difícil a sua
tarefa. Esfregar um produto de forma organizada e padronizada rápido o
suficiente para que ele não secasse até estar corretamente espalhado.
Depois do trabalho a coluna dele conversava com a vontade
dele de ganhar dinheiro sobre a necessidade de ir logo pensando em outra coisa
melhor para fazer. A menina branca aparecera de novo. Sentada num banco diante de uma
piscina vazia e em reforma. Ele precisou pegar seu par de sandálias esquecido num
banco quase ao lado dela. Depois do episódio do elevador ele ficou se sentindo
um lixo fora da lixeira, por isso não tinha a menor autoestima para cumprimentos.
Ele apanhou o objeto e voltou sem levantar a cabeça. “Agora eu entendo”, ouviu
uma voz falar atrás de si. “Oi?”, falou Guto voltando-se a ela. “Queria entender de onde
tava vindo esse fedor de chulé”, descontraiu a garota. Ele voltou. Pegou os chinelos
dela, jogou pra longe e brincou: “Pronto. Agora vai passar”. Os dois riram.
Quando perceberam estavam sentados conversando sobre música,
filmes.
De repente, já passava das oito da noite. Conversaram
bastante, mas ele precisava ir embora. Ela perguntou onde ele morava. "Cabanagem", respondeu. “Eu te levo lá”. Se ofereceu ela. “Não pode.”
Determinou ele. “Ué, por quê?”, se espantou a moça. “Porque não posso subir no
carro de estranhas. Minha mãe não deixa”, provocou. Ela sorriu e pra Guto foi como
se o mundo tivesse no pause. “Meu nome é Yasmin”, se apresentou ela e estendeu
a mão. Ele segurou. “Prazer”, saldou a jovem. Ele disse o próprio nome, a puxou,
deu um beijo no rosto, respondeu “satisfação”, em seguida a puxou para um
abraço e sussurrou ao ouvido dela: “Me ensinaram que o prazer vem depois”. Ela
tentou disfarçar ter gostado da surpresa e o chamou para ir até o aparamento dela buscar as
chaves do veículo.
Quando abriu a porta a mãe dela estava na sala. Ele a viu
sentada de costas para ele no sofá. Guto não queria entrar, mas Yasmin
insistiu. Ele mentiu que havia esquecido mais uma coisa na piscina e para não
atrasá-los precisava descer para buscar. A moça argumentou que buscava as
chaves num instante, e depois pegariam juntos o objeto na piscina, e já se
preparava para falar mais argumentos quando foi interrompida pela dona. “Yasmin,
venha cá”. Os dois se olharam. A pele dela de repente ficou branca de novo, os olhos dela eram de novo verdes, o apartamento dela pareceu coisa de rico e ele lembrou nem sonha em ter carro tão cedo. Ela voltou a perceber a pele negra dele, os cabelos “ruins” dele, a roupa com os panos desbotados de tantas lavagens dele e umas manchas de pele estranhas na face dele.
Ela entrou no apartamento sem dizer nada, mas deixou a porta entreaberta. Ele chamou o elevador. Chegou o social, mas ele não quis entrar. Chamou de novo. Ela saiu do apartamento. Ele já havia descido as escadas pensando se no outro dia voltaria ou não àquele trabalho escroto.
Ela entrou no apartamento sem dizer nada, mas deixou a porta entreaberta. Ele chamou o elevador. Chegou o social, mas ele não quis entrar. Chamou de novo. Ela saiu do apartamento. Ele já havia descido as escadas pensando se no outro dia voltaria ou não àquele trabalho escroto.
Continua...
2 comentários:
fenomenal ... simples assim ... contista de mão cheia ... parabéns ...
Não vale! na melhor parte termina me deixando na maior curiosidade..kkkkk
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